A TECNOLOGIA COMO FERRAMENTA DE CUSTO

Luiz Carlos Miller & Antônio Mário L. Medeiros

Lendo revistas direcionadas para o setor sucroalcooleiro, temos observado que os artigos publicados com a finalidade de discutir os custos praticados na produção de cana-de-açúcar são elaborados com um foco intensamente administrativo, pautados sobretudo pela idéia de reduzir despesas, deixando de considerar, na maioria das vezes, as alternativas tecnológicas para a tomada dessas decisões.

Evidentemente, as questões relacionadas com custos são uma constante em qualquer processo produtivo. Porém, as ações mais nervosas e drásticas aparecem com maior freqüência e intensidade quando os recursos, por alguma razão, tornam-se escassos. Nesses momentos, as tomadas de decisão adquirem um caráter emergencial. No calor das decisões, alternativas tecnológicas, que poderiam trazer sensíveis reduções nos custos, acabam muitas vezes deixando de ser consideradas. Diante de um quadro economicamente desfavorável, promovem-se cortes de despesas por absoluta e exclusiva falta de recursos naquele momento. E essa atitude acaba, com elevada freqüência, impondo pesadas perdas na produtividade da cultura. Na verdade, essas atitudes associando custos com alternativas técnicas, deveriam ser, e parecem estar sendo, uma preocupação rotineira nas empresas produtoras de cana-de-açúcar e de seus derivados.

A cultura da cana-de-açúcar é um dos tópicos da agricultura mais estudadas no Brasil, com um acervo de conhecimento tecnológico invejável, ainda que atualmente tais estudos aconteçam com menor intensidade, tendo em vista o pouco cuidado que se tem dedicado às instituições públicas, responsáveis por grande parte destes estudos. Essa preocupação em estudá-la com profundidade foi, e tem sido, uma decorrência da importância econômica e estratégica da cultura para a nação. Comparada com a produção nacional de grãos, a produção nacional de cana é aproximadamente três vezes maior. Evidências dessa natureza direcionaram o foco para a cultura da cana-de-açúcar, exigindo-se muito trabalho. Como conseqüência acumulou-se um imenso acervo tecnológico com relação a essa cultura. Uma grande parte dessas informações está registrada em publicações especializadas e um outro tanto está contida na experiência de técnicos envolvidos com o setor.

As alternativas para a redução de custos baseadas em tecnologia são muitas. São pelo menos três as possibilidades. A primeira é constituída por ações que podem reduzir despesas sem prejuízos para a produtividade ( uso de insumos em geral). Uma segunda alternativa inclui a possibilidade de práticas, que apesar de aumentarem as despesas, promovem ganhos de produtividade, fazendo com que os custos da tonelada de cana produzida sejam reduzidos (irrigação em épocas de deficiência hídrica é um assunto muito atual e vem mostrando-se cada vez mais viável). E uma terceira alternativa pode englobar estas duas primeiras fazendo com que as despesas sejam mantidas estáveis, incorporando-se ao processo produtivo ganhos de produtividade (novas variedades e manejo de safra, manejo de plantas daninhas, de fertilizantes, etc.)

Nesse espaço pretendemos abordar, de uma maneira prática, o uso do fósforo no plantio de cana. Estudos conduzidos pelos principais institutos de pesquisa apresentam resultados com elevada consistência da efetiva relação entre o teor de fósforo existente no solo e o seu reflexo sobre a produtividade de cana {Rodella(1983a)}, {Sobral(1984a)}, {Zambello(1981a)}, {Manhães(1981a)}. Quando em falta no solo, esse nutriente pode limitar dramaticamente a produtividade agrícola caso não seja aplicado por ocasião do plantio. Por outro lado, quando este elemento está presente em teores satisfatórios na solução do solo, a sua aplicação não se mostra efetiva sobre a produtividade agrícola, de maneira que justifique os custos despendidos com o fornecimento do produto.

É verdade que os solos onde estão plantadas as lavouras de cana-de-açúcar são originalmente pobres em fósforo {Miller(1983a)}. Porém, o que se tem observado é que após sucessivos plantios da cultura utilizando insumos modernos (entre eles fertilizantes contendo fósforo), os teores desse elemento tendem a acumular-se no solo {Araújo(1993a)}, compondo quantidades considerados suficientes para suprirem as necessidades nutricionais da cultura da cana.

Esses trabalhos técnicos mostram a importância do fósforo na nutrição das plantas e também procuram estabelecer parâmetros para relacionar-se os teores do elemento no solo com as necessidades de fornecimento do nutriente em cada local onde se pretenda implantar lavouras. Entretanto, apesar de serem consistentes e de muita utilidade, essas informações ainda são pouco aplicadas na condução das lavouras comerciais. O uso dessas informações tem ficado restrito a algumas poucas empresas, as quais têm aproveitado esses conhecimentos para direcionarem a adubação fosfatada em suas áreas de plantio, de acordo com as reais necessidades de cada local.

A grande maioria das empresas prefere comprar e utilizar fórmulas únicas em suas áreas com plantio. Para conduzirem suas práticas culturais elas incluem em suas rotinas operacionais amostragens de solo e as analisam em laboratórios de referência. Entretanto, o fato de conhecerem em detalhes a composição químicas de seus solo, disporem de informações seguras sobre as influências dos teores de fósforo no solo e saberem a respeito dos níveis críticos do elemento no solo, acima dos quais as respostas não justificam economicamente a aplicação do fertilizante, ainda não tem sido o suficiente para que alterem as suas rotinas de fertilização para o plantio.

Ao fazermos uma revisão para a elaboração deste trabalho, encontramos num relatório interno de uma das empresas onde trabalhamos, resultados muito interessantes sobre a aplicação dessas observações técnicas em uma área para produção comercial de cana entre os anos 1988 e 1992. Nesta área, que montava aproximadamente 500 ha, escolhida para um projeto piloto, 70% da mesma apresentava teores de fósforo no solo em níveis que permitiam prever a ausência de respostas para o uso desse elemento e assim ele não foi fornecido. Uma outra parte, representando 24% da área piloto, apresentava níveis medianos no solo e o não fornecimento do nutriente poderia provocar perdas de até 10% da produtividade máxima economicamente esperada. Nesse caso foi utilizado a metade da dose recomendada para os plantios de cana na Empresa. Somente 6% da área apresentava níveis que justificavam a aplicação da dosagem usual (150kg/ha) no fundo do sulco para a garantia da máxima produtividade econômica {Medeiros(1988a)}. Naquela ocasião e para aquela área escolhida, foi possível deixar de utilizar algo como 82% do fósforo rotineiramente utilizado para o plantio de cana. As produtividades obtidas com esse procedimento foram superiores àquelas observadas no ciclo anterior, comprovando o acerto da decisão. A aferição do efeito foi realizada através de experimentos localizados na área piloto, avaliando-se produtividades em diferentes dosagens de fósforo. Essa decisão representou uma economia de aproximadamente 60 toneladas de P2O5 para o módulo utilizado como área piloto (500 ha).

Apenas essa alteração na rotina para o uso de fósforo na fertilização da cana planta possibilitou, para aquela área especificamente, uma redução de aproximadamente 10% no custo do plantio de um hectare de cana. Certamente tais ganhos mostrarão amplitudes variáveis, conforme as características relativas à fertilidade dos locais a serem utilizados para o plantio da cana.

É fato que tecnologia mantém uma relação estreita com idéia de oportunidade. E para conseguir que as oportunidades sejam transformadas em resultados, torna-se imperativo que as informações disponíveis aplicadas ao processo produtivo, sejam amparadas por uma efetiva e sólida experiência operacional. Desta forma os ganhos são obtidos e eles serão tanto maiores, quanto mais intensamente tais informações forem utilizadas. Entretanto, é muito freqüente que a idéia de oportunidade fique ofuscada pela sensação de impossibilidade.

O fato de buscar-se a racionalização para o uso de fósforo no plantio da cana, quase que automaticamente remete à necessidade de possuir-se uma formuladora de fertilizantes para que seja possível ajustar as diferentes fórmulas. Na prática isso não é fundamental. É perfeitamente possível utilizar-se procedimentos que com apenas uma ou no máximo duas fórmulas seja possível adequar as recomendações para as condições dos solos onde pretende-se implantas as lavouras de cana. Quanto ao nitrogênio as quantidades aplicadas no plantio apresentam certa elasticidade e o potássio pode perfeitamente ser aplicado em separado. Para racionalizar o uso de fósforo é necessário fundamentalmente ter disposição para promover mudanças.

Evidentemente, outras alternativas relacionadas com o próprio manejo da fertilidade ou com outros fatores de produção, também encontram-se disponíveis nos acervos de conhecimentos relativos à cultura da cana-de-açúcar. Utilizados com clareza e objetividade, esses conhecimentos poderão proporcionar resultados surpreendentes para a administração dos custos de produção, especialmente se estiverem sustentados por um diagnóstico detalhado dos diferentes fatores de produção aplicados no processo produtivo cultura.