A CALAGEM E A EFICIÊNCIA DOS FERTILIZANTES (1)

J.C. ALCARDE (2)

1. INTRODUÇÃO

São por demais conhecidas as afirmações: "o Brasil é um Pais eminentemente agrícola" e "o Brasil está predestinado a ser o celeiro do mundo", as quais já deixaram o campo das hipóteses e se constituem hoje em teses incontestáveis. Isto porque o Brasil possui uma área agricultável de 670 milhões de hectares, área essa superior à utilizada no mundo com o cultivo de 5 das principais culturas (trigo, arroz, milho, feijão e soja), e possui condições climáticas tais que permitem o privilégio de exercer continuamente a atividade agrícola.

Contudo, é também reconhecido que o desempenho da agricultura brasileira deixa muito a desejar, visto que, a área cultivada é de apenas 7 a 8% da área considerada agricultável e, principalmente, a produtividade é bastante baixa comparada com a de outros países, conforme mostra o quadro 1.

Nunca se preocupou tanto com a produtividade agrícola, quer no mundo e, principalmente nó Brasil, como nos dias atuais. Dada a escassez de recursos e o alto custo dos insumos modernos requeridos na produção agrícola, a tônica, atualmente, é a do uso racional deles, no sentido de torná-los mais eficientes a fim de que a produtividade seja compatível com o rendimento econômico. Segundo Schuh (1981), "todo o aumento na produção agropecuária dos Estados Unidos, desde meados dos anos 20, foi obtido sem nenhum aumento no estoque de recursos físicos que se usam na agricultura; isto quer dizer que, se somarmos a terra, a mão-de-obra, o capital e os insumos modernos, o total deles, hoje, é aproximadamente o mesmo de há 60 anos atrás. Em outras palavras, todo o aumento na produção obtido no período vem, essencialmente, do aumento de produtividade. E produtividade alta quer dizer "baixo custo e preço baixo".

Quadro 1 — Rendimento das principais culturas (kg/ha)

Cultura

Brasil

USA

Outros(*)

Trigo

1.148

2.128

6.567 (Holanda)

Arroz

1.362

5.049(1)

6.250(1)(Japão)

Cevada

1.108

2.604

4.907 (Bélgica)

Milho

1.836

6.353

7.742 (Nova Zelândia)

Centeio

900

1.762

4.638 (Suíça)

Aveia

1.077

1.788

4.273(Alemanha Federal)

Sorgo

2.314

3.459

3.140 (Argentina)

Feijão

541

1.434

2.308 (Rússia)

Algodão

1.116

1.231

2.851 (Austrália)

Soja

1.765

1.967

3.556 (Itália)

Cana

54.886

80.510(1)

155.556(1) (Peru)

Café

536

840

1.119 (2) (Costa Rica)

Cacau

608

 

1.952 (Congo)

Juta

1.075

 

3.039 (China)

Sisal

780

 

1.346 (Indonésia)

(*) FAO, 1979. Coleção de Estatística. (1) Cultura irrigada (2) Café beneficiado.

Fonte: ANDA, 1982. Produção Agrícola Brasileira - Estatística, 1981.

A produtividade agrícola depende de uma série de fatores limitantes, onde o mau desempenho de um compromete todos os demais. Dentre eles, o primeiro que tem de ser considerado é o solo, ou mais propriamente a sua fertilidade.

Pode-se afirmar com segurança que a baixa produtividade agrícola brasileira tem como causa principal a baixa fertilidade dos seus solos. Por outro lado, dentre as características dos solos que são responsáveis pela fertilidade, as que prejudicam os solos do Brasil são fundamentalmente a acidez elevada e a pobreza de nutrientes. E essas duas deficiências são facilmente contornáveis, pelo menos tecnicamente, através da calagem e da adubação.

É por isso que o Brasil é visto como um País eminentemente agrícola, predestinado a ser o celeiro do mundo.

2. EVOLUÇÃO NO CONSUMO DE FERTILIZANTES E DE CALCÁRIO

Tomando como referência o ano de 1980, quando o Brasil ainda não apresentava a crise econômica em que hoje se acha mergulhado, o quadro 2 mostra que nesse ano o consumo de fertilizantes foi 105,6% superior ao de 1975; tendo sido de 46,7 milhões de hectares a área plantada, a aplicação de fertilizantes correspondeu a média de 87 kg/ha em termos de nutrientes ou 220 kg/ha em termos de produto. De outra parte, o consumo de calcário em 1980 foi 8,2% inferior ao de 1975, correspondendo a uma aplicação média de 149 kg/ha. Diante da alta necessidade de calcário nos solos brasileiros, à qual tem-se atribuída uma média de 1500 a 2000 kg/ha, fica bem evidente a baixa utilização desse insumo.

Quadro 2 - Estimativa da evolução do consumo de fertilizantes e de calcário no Brasil, nos últimos anos ( em toneladas)

 

ANO

FERTILIZANTES

CALCÁRIO

Em Nutrientes

Em Produto

Em Produto

1975

1.977.691

4.944.228

7.084.000

1976

2.528.141

6.320.352

6.304.000

1977

3.208.896

7.769.724

5.490.000

1978

3.221 .588

7.800.704

5.504.000

1979

3.463.500

8.707.574

6.469.000

1980

4.066.100

10.272.127

6.504.000

1981

2.653.300

7.197.202

5.254.000

1982

2.729.977

7.023.235

4.073. 378

1983

2.218.500

5.732.558

5.330.964

Fonte:  Sindicato da Indústria de Adubos e Corretivos Agrícolas do Estado de São Paulo e ASSOCIAÇÕES de Produtores de Calcários.

3.         INEFICIÊNCIA DOS FERTILIZANTES

Sabe-se que a maior parte das terras agricultáveis brasileiras apresentam valores de pH na faixa de 4,5-5,5, isto é, com acidez elevada (PNFCA. 1974; EMBRAPA, 1980). Sabe-se também que a disponibilidade e a utilização dos nutrientes vegetais no solo são profundamente afetadas pelo acidez, conforme mostram a figura 1 e o quadro 3.

Figura 1 —        Efeito do pH na disponibilidade dos nutrientes e na solubilklade do alumínio no solo (MALAVOLTA, 1979)

Quadro 3-Estimativa da variação percentual na assimilação dos principais nutrientes pelas plantas em função do pH do solo (PNFCA, 1974; EMBRAPA, 1980)

 

Elementos

pH

4,5

5,0

5,5

6,0

6,5

7,0

Nitrogênio

20

50

75

100

100

100

Fósforo           

30

32

40

50

100

100

Potássio

30

35

70

90

100

100

Enxofre

40

80

100

100

100

100

Cálcio

20

40

50

67

83

100

Magnésio

20

40

50

70

80

100

Assim, justifica-se o antigo e ultrapassado adágio popular de que "a calagem enriquece o pai e empobrece o filho", visto que a calagem condicionando o sola à liberar melhor os nutrientes e as plantas à assimilá-los mais, proporcionava maior produtividade; e como a prática da adubação era insignificante, coma resultado tinha-se o empobrecimento do solo e até a exaustão das suas reservas naturais de nutrientes. Justifica também o conceito de que a calagem é a prática potenciadora da eficiência das adubações, deixando patente que a calagem deve ser mera primeira preocupação, e providência, na atividade agrícola brasileira.

Portanto é injustificável as diminutas quantidades de calcário que estão sendo utilizadas no Brasil, desproporcionais às quantidades de adubo, uma vez que o País dispõe de abundantes reservas calcárias exploráveis, bem distribuídas e de boa qualidade e de um parque industrial que, concentrado nas principais regiões consumidoras, está operando bem abaixo de sua capacidade de produção (CONCRED, 1976).

O baixo consumo de calcário em relação à necessidade e principalmente ao consumo de fertilizantes, permite inferir que não se está aproveitando todo o potencial possível dos fertilizantes utilizados; em outras palavras, o insuficiente consumo de calcário certamente está induzindo a uma queda na eficiência dos fertilizantes. Com base nos dados do quadro 3 tentou-se estimar o valor dessa ineficiência, que está apresentada no quadro 4, considerando os consumos de fertilizantes dos anos de 1979, 1980 e 1981 e levando em conta:

(1). a ineficiência normal conhecida, conseqüência de perdas por percolação, insolubilização, arrastamento superficial, etc. Essa ineficiência no mínimo, está estimada em 20% para o nitrogênio, 80% para o fósforo e 40% para o potássio (Larsen, 1967). Assim, das quantidades utilizadas de cada nutriente, pode-se estimar as quantidades que, em condições ideais, estariam disponíveis.

(2). a acidez dos solos brasileiros: adotando pH 5,0 como valor médio, de acordo com os dados do quadro 3 não seriam assimilados 50% do nitrogênio, 68% do fósforo e 65% do potássio, disponíveis.

(3). que 25% dos fertilizantes tenham sido empregados em solos com pH adequado ou corrigido pela calagem, a ineficiência seria 75% do total calculado.

Quadro 4- Estimativa da quantidade de nutrientes que devem ter sido ineficientes no Brasil, nos últimos anos, em função das acidez dos solos. ( em 1.000 toneladas)

 

Ano

 

Nutriente

Ineficiência

Inef. por não assimilação em pH igual a 5,0

Consumo

Normal

Disponível

Total Calculado

75% do total calculado

1979

N

778,6

155,7

622,9

311,5

233,6

 

P2O5

1.581,5

1.265,2

316,3

215,1

161,3

 

K2O

1.103,4

441,4

662,0

430,3

322,7

 

Totais

3.463,5

1.862,3

1.601,2

956,9

717,6

1980

N

905,6

181,1

724,5

362,3

271,7

 

P2O5

1.853,9

1.483,1

370,8

252,1

189,1

 

K2O

1.306,6

522,6

784,0

509,6

382,2

 

Totais

4.066,1

2.186,8

1.879.3

1.124,0

843,0

1981

N

668,5

133,7

534,8

267,4

200,6

 

P2O5

1.218,2

974,6

243,6

165,6

124,2

 

K2O

766,6

306,6

460,0

299,0

224,3

 

Totais

2.653,3

1.414,9

1,238,4

732,0

549,1

Os resultados obtidos, correspondem a 20,72%, 20,73% e 20,69% do total de nutrientes consumidos nos respectivos anos. Portanto, estima-se que 20% dos nutrientes consumidos como fertilizantes devem ser ineficientes ou desaproveitados pelas culturas em que foram aplicados, devido à acidez do solo. Aos preços daqueles anos, esses 20% corresponderam a 18% do capital investido nesse insumo; o investimento em calcário correspondeu a menos de 20% do valor gasto em fertilizantes desaproveitados; o atendimento à demanda não custaria mais de 60% desse valor. Atualmente a situação é semelhante, uma vez que os aumentos nos preços do calcário e do fertilizante tem sido aproximadamente proporcionais e os consumos não se alteraram significativamente.

Assim, como as atuais quantidades de calcário consumidas no Brasil deve-se estar desperdiçando fertilizante ou produtividade agrícola.

4. RECONHECIMENTO DO PROBLEMA DA CALAGEM

Esse panorama paradoxal tem sido objeto de muitas manifestações, tanto no aspecto técnico como econômico. A mais completa, objetiva e clara delas foi emitida pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico, no Programa Nacional de Fertilizantes e Calcário Agrícola (PNFCA, 1974), cujos principais enfoques foram:

(1) Na acidez do solo, revelado por baixos índices de pH, encontra-se o fator responsável pela escassa assimilação dos elementos nutrientes da terra pela planta, bem como pelo estabelecimento de condições inadequadas ao desenvolvimento dos vegetais.

(2) A calagem, ou seja, a aplicação de calcário moído, é uma das práticas para a correção da acidez dos solos; essa correção determina um conjunto de efeitos benéficos através do:

— poder competitivo das culturas em relação às ervas daninhas, essas em sua maioria, acidófilas;

— aumento da assimilação dos elementos nutrientes;

— aumento dos níveis de fosfatos disponíveis, por evitar a precipitação do fósforo sob a forma de sais insolúveis;

— bloqueio da ação tóxica do excesso de certos nutrientes tais como alumínio, ferro e manganês, que permanecem livres em meio ácido;

— estímulo às atividades dos microrganismos responsáveis pela nitrificação dos sais de amônio e pela fixação do nitrogênio atmosférico;

— desenvolvimento de microrganismos responsáveis pela decomposição da matéria orgânica, formadora do humus;

(3) Experiências demonstram que o calcário atua, de maneira significativa, como potenciador da ação dos fertilizantes. No caso brasileiro, tem-se que a utilização de calcário, atualmente (1974), é cerca de 4 milhões de toneladas. Dado que o consumo de fertilizantes químicos no País atinge cifras próximas de 1,7 milhões de toneladas de nutrientes, tudo sugere uma situação em que fertilizantes químicos tem sido utilizados sem prévia correção da acidez do solo e, portanto, com resultados inferiores aos desejados.

(4) Os objetivos do Programa Nacional de Calcário Agrícola (PROCAL) foram:

— defesa do patrimônio nacional, a terra.

— aumento da produtividade do solo via correção da acidez, com o decorrente incremento na renda do produtor agrícola e nos volumes produzidos.

— criação das bases necessárias à implantação mais eficaz do Programa Nacional de Fertilizantes.

É digno de elogios a exatidão com que o problema da calagem foi colocado no Programa Nacional de Calcário. A meta desse Programa era a de uma elevação progressiva na utilização de calcário até atingir 15,3 milhões de toneladas em 1979, isto é, um aumento em torno de 380% no consumo. E o que se teve em 1980, conforme já referido, foi um decréscimo no consumo de 8,2% em relação a 1975, ao lado de um aumento de 105,6% no consumo de fertilizantes nesse mesmo período.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA, 1980) elaborou o projeto "Racionalização do uso de insumos" , no qual um dos sub-projetos era "Pesquisa em racionalização no uso de fertilizantes e calcário na agricultura". Além de enfocar a necessidade e a importância dos calcários, face à acentuada acidez da maioria dos solos agricultáveis do Brasil, com pH variando de 4,5 a 5,5, e à carência dos nutrientes cálcio e magnésio contidos nos mesmos solos, refere-se também a uma estimativa da Secretaria Nacional de Planejamento Agrícola, segundo a qual, em 1978, o prejuízo dos agricultores brasileiros, devido a não assimilação dos nutrientes pelas plantas, foi da ordem de 1 bilhão de dólares.

Raij (1960) aponta a acidez como um dos problemas mais sérios a limitar a produtividade dos solos brasileiros. Considera a calagem um ótimo investimento e, utilizando um exemplo típico de solo muito ácido, demonstra que o retomo econômico pode ocorrer já no primeiro ano, conforme se observa no quadro 5. Considera ainda que, do ponto de vista de política de produção, a calagem deveria receber melhor atenção: o calcário é matéria-prima existente em abundância e, no entanto, seu consumo é bastante baixo se comparado com o consumo de fertilizantes e considerando-se a necessidade de correção dos solos brasileiros.

Quadro 5- Exemplo de aumento de produção de soja proporcionando pela aplicação de 3 ton./ha de calcário antes do primeiro plantio, em de São Simão, SP. A cultura foi adubada anualmente com fósforo (van Raij, 1980).

Ano de Cultivo

Aumento da produção devido à calagem (kg/ha)

Retorno por cruzeiro investido em calcário

1973/1974

513

2,9

1974/1975

834

4,6

1976/1977

1.013

5,6

Valores acumulados nos 4 anos

2.357

13,1

Fonte: Revista Brasileira de Ciência do Solo, 1: 28-38. 8977

Souza (1901), Secretário Nacional da Produção Agropecuária, considerou que "a pesquisa econômica não tem sido convincente ao mostrar o verdadeiro potencial do emprego de fertilizantes em termos de seu impacto no aumento da produção. O consumo de fertilizantes no Brasil registrou aumentos que colocou os padrões brasileiros comparáveis aos países de agricultura avançada, entretanto os acréscimos de produção ou de produtividade observados não satisfazem comparativamente aos aumentos do uso de fertilizantes". E prossegue: "Soja, cana, café, arroz, trigo e milho, nesta ordem, tem sido responsáveis por cerca de 75% dos fertilizantes usados na agricultura brasileira, e durante a década de 1970/1980, a taxa de crescimento anual dos rendimentos dessas culturas foi respectivamente de: 4,20; 1,95; 3,50; 0,34; -1,31 e 2,13%. Segundo dados do Sindicato de Adubos e Corretivos do Estado de São Paulo, relativos a década de 1970/1980, o comportamento da produção das seis principais culturas que usam fertilizantes no Brasil, nos mostra a redução da sensibilidade da produção agrícola à aplicação de fertilizantes. Na medida em que se espera que o aumento do consumo de fertilizantes provoque acréscimos na produtividade, observa-se que acréscimos de 300% no uso de nutrientes produziram apenas aumento de 19% nos rendimentos da soja, cana, café, trigo, arroz e milho. O fato é que, o uso de fertilizantes na agricultura brasileira quadruplicou no período de uma década, e, neste período, a produção das principais culturas usuárias desse insumo, não conseguiram dobrar sequer".

Raij (1981) considera " a reação do solo como o primeiro fator que precisa ser conhecido em uma gleba a cultivar. Isto porque, caso ela não seja favorável, medidas conetivas devem ser tomadas com antecedência aos cultivos. Existem hoje técnicas seguras para caracterizar a reação do solo e para determinar medidas corretivas. A condição desfavorável da reação do solo mais comum no Brasil é a acidez excessiva". E esclarece: "os resultados obtidos em experimentos no Instituto Agronômico no Estado de São Paulo indicam claramente que a utilização de calagens mais elevadas do que as hoje praticadas na maior parte do Pais, poderia contribuir consideravelmente para a elevação da produtividade de diversas culturas". Fundado nessas considerações, e na observação de um crescente aumento na acidez dos solos do Estado de São Paulo, o Instituto Agronômico desse Estado, que é sediado em Campinas, a partir de 1983 passou a adotar outro critério de recomendação de calagem, o qual indica uma necessidade de calcário maior em relação a que vinha sendo recomendada.

Malavolta(l981), analisando a situação da calagem e da produtividade agrícola no Brasil, apresenta as seguintes conclusões e recomendações:

(1) Existe uma necessidade generalizada da calagem nos solos brasileiros, necessidade que não vem sendo satisfeita dado os baixos níveis de utilização do calcário, o que causa: baixas produções por unidade de área e ociosidade na indústria ligada ao calcário.

(2) A falta da correção da acidez do solo impede ou diminui a eficiência do adubo mineral, o que acarreta, além de menores colheitas, maiores custos de produção.

(3) Os incentivos de diferentes naturezas, aplicados no setor agrícola a partir de 1964, permitiram crescimento espetaculoso no consumo de adubos no País o que, entretanto, ainda não aconteceu com o calcário: a desativação do Procal impediu que as metas fixadas para o consumo de conetivos fossem atingidas, prejudicando em parte o esforço desenvolvido para aumentar o consumo de fertilizantes, cujo pleno potencial para aumentar a produtividade agrícola não pôde ser realizado nos solos comumente ácidos do Pais.

(4) As três grandes metas do atual governo: programa da "panela cheia", obtenção de quantidades crescentes de excedentes exportáveis e Pró-álcool, não serão atingidas, dentro ou fora dos cronogramas estabelecidos, se, além de outras medidas, algumas já em implantação, não forem criados incentivos que permitam a utilização maior do calcário, tanto nas áreas já cultivadas como nas novas.

Finalmente, em 1982, a Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA), sentindo que o setor de fertilizantes vem sendo prejudicado pelo baixo consumo de calcário, fez uma representação a diversos órgãos federais apontando que é imperiosa a adoção de medidas governamentais de caráter urgente, visando estimular o consumo de calcário agrícola pelos agricultores, como fator de aumento de produtividade.

5. CAUSAS E SUGESTÕES

As causas dessa incompreensível situação em que está a prática da calagem no Brasil, podem ser atribuídas, dentre outras:

(1) à ausência de um adequado posicionamento técnico e econômico do setor agrícola em relação à necessidade e a importância da calagem, uma vez que argumentos não faltam;

(2) à deficiente ou imprecisa divulgação dos benefícios da calagem junto aos produtores agrícolas, principalmente pelos órgãos e serviços de assistência técnica e extensão rural;

(3) à passividade do setor industrial, conseqüência da desagregação ainda existente entre os produtores de calcário.

Quanto às sugestões:

(1) às indústrias de fertilizante e de calcário: a indústria de fertilizante adotou a lógica estratégia do uso racional desse insumo. Considerando que a utilização de corretivo constitui um dos requisitos fundamentais na viabilização desse propósito, as indústrias de corretivo poderiam recorrer às de fertilizante no sentido de irmanarem-se nos serviços de extensão, assistência técnica e comercialização, serviços esses já solidamente estruturados nas indústrias de fertilizante.

(2) aos órgãos e entidades públicas: sensibilizarem-se quanto ao desperdício de produtividade que deve estar existindo na agricultura brasileira devido a insuficiência da calagem; mobilizar, em conjunto, as áreas técnica, econômica, política e de extensão, como objetivo de divulgar, orientar, promover e facilitar o uso de corretivos.

(3) à todos os que militam e respondem pela produção agrícola brasileira: assumir em definitivo, embora tardiamente, que nas condições do Brasil a calagem e a adubação são práticas vinculadas: isolá-las constitui erro elementar.

6. CONCLUSÕES

(1.) A quantidade de calcário que vem sendo consumida no Brasil, há anos, é bastante insuficiente face a demanda e principalmente à necessidade desse insumo. Tudo indica que as adubações são praticadas sem a adequada correção prévia da acidez do solo, o que é injustificável.

(2.) A ausência ou insuficiência da calagem é um dos principais fatores, senão o primeiro, a limitar a produtividade agrícola brasileira.

(3.) Seguramente vem ocorrendo no Brasil, há anos, um ponderável desaproveitamento ou desperdício de produtividade e de fertilizantes.

(4.) A devida importância que a prática da calagem vem deixando de receber é oriunda de um inadequado posicionamento técnico do setor agronômico, à passividade do setor industrial e ao quase desprezo do setor político. É imperioso e urgente um esforço conjunto desses diferentes setores no sentido de equacionar devidamente o problema da calagem.

(5.) Necessário se faz assumir o reconhecido dito popular: "o calcário é o irmão mais velho do adubo".

1) Artigo originalmente publicado em INFORMAÇÕES AGRONÔMICAS N.0 26, Piracicaba, pg. 3-6, 1984.

2) Professor Assistente, Doutor. Escola Superior de Agricultura "Luiz do Queiroz", USP, Departamento de Química. (13.400). Piracicaba (SP).

7. LITERATURA CITADA

CONCRED - Aspectos analíticos do calcário agrícola no Brasil. Vol. XIII, 1.976, 32 p. Comissão Coordenadora da Política Nacional de Crédito Rural, Ministério da Agricultura, Brasília (DF).

EMBRAPA -Projeto: Racionalização do uso de insumos. Sub-Projeto: Pesquisa em racionalização do uso de fertilizantes e calcário na agricultura. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 1.980, Brasília (DF), 78p.

LARSEN, S. - Soil Phosphorus. Advances in Agronomy, Vol. XIX, p. 151-211, 1.967.

MALAVOLTA, E. - ABC da Adubação. Editora Agronômica CERES Ltda. São Paulo (SP), 1.979. 256 p.

MALAVOLTA, E. - Calagem e produtividade agrícola, 1.981,19 p. datilografado.

PNFCA - Programa Nacional de Fertilizantes e Calcário Agrícola - Diário Oficial da União de 11-11-1.974, pg. 12. 857-73.

RAIJ, B. VAN - A calagem é ótimo investimento. Suplemento Agrícola de "O Estado de São Paulo" de 05-03-1.980.

RAIJ, B. VAN - Avaliação da Fertilidade do Solo, 1.981, 142 p. Instituto da Potassa & Fosfato (EUA) e Instituto Internacional da Potassa (Suíça).

SCHUH, G.E. - Uma estratégia para a exportação de alimentos. AGRICULTURA, (1), N0 2, 1.981. Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz, Piracicaba, (SP).

SOUZA, P. — Prefácio do trabalho "Situação dos Fertilizantes no Brasil", de Geraldo Pereira, 1.981, 38p. Ministério da Agricultura, Brasília (DF).