CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO DE GESSO NA AGRICULTURA (1)

Clovis M. Borkert2

Marcos A. Pavanct3

Aureo F. Lantmann4

1. INTRODUÇÃO

O sulfato de cálcio dihidratado (Ca SO4 . 2H2O), conhecido como gesso, tem sido utilizado como fertilizante desde a antigüidade pelos gregos e os romanos como fonte de cálcio e enxofre para as plantas cultivadas. O primeiro registro da utilização do gesso como um condicionador inorgânico do solo foi em 1768, quando foram observados, em um experimento na Suíça, benefícios no crescimento do trevo. Nos Estados Unidos da América, no período colonial, o gesso foi introduzido por Benjamin Franklin, que o aplicou em um campo nativo transformando-o em um gramado de verde intenso. O produto foi registrado com o nome de "Gesso Agrícola Ben Franklin" e é oferecido no mercado de insumos dos Estados Unidos da América até hoje (Jones, 1979).

Ainda no século passado, ficou provado ser o enxofre um elemento essencial à nutrição das plantas. Todavia, após 1843, com o início e o crescimento da indústria do superfosfato simples, que possui na formulação fosfato monocálcio e cerca de 60% de sulfato de cálcio, e da utilização de sulfato de amônio como fertilizante, diminuiu o interesse pelo uso de enxofre do gesso para a nutrição de plantas. O sulfato de cálcio é utilizado, também, no tratamento de solo e água de irrigação na agricultura de regiões áridas. Nessas regiões, ricas em solos sódicos, o uso do gesso foi intensificado como fonte de cálcio na solução do solo para substituir o sódio no complexo de troca e permitir a lixiviação do sulfato de sódio pela água de drenagem. Isto resulta em maior floculação da argila e aumento da permeabilidade do solo (Pavan & Volkweiss, 1986).

Com a introdução dos fertilizantes concentrados que possuem pouco ou nenhum enxofre, como o superfosfato triplo, as plantas cultivadas em solos explorados há muito tempo e já degradados por erosão, têm maior probabilidade de sofrer deficiência de enxofre. Nos últimos anos, devido à concentração dos fertilizantes para diminuição do custo do transporte, a grande maioria das fábricas de fertilizantes passou a produzir superfosfato triplo, originando como subproduto grandes quantidades de gesso. Este subproduto, também chamado de "fosfogesso", além do sulfato de cálcio, seu constituinte principal, contém pequenas concentrações de outros elementos presentes na rocha fosfatada original. No processo de fabricação do superfosfato triplo, o gesso agrícola é produzido na razão de 4 a 5 toneladas por tonelada de P2O5. A disponibilidade atual de "fosfogesso" no Brasil é da ordem de 135 milhões de toneladas. Além disso, é estimada uma produção anual da ordem de 3,6 milhões de toneladas como subproduto da fabricação de superfosfato triplo (Paolinelli et al., 1986).

O gesso não tem o mesmo poder de correção da acidez do solo como o calcário.

2. COMPORTAMENTO DO CALCÁRIO E DO GESSO NO SOLO: COMPARAÇÃO

Com relação ao calcário, os íons que são responsáveis pela reação química de neutralização são o carbonato (CO32-) e o bicarbonato (H2CO3-), resultantes da hidrólise do calcário e da formação do ácido carbônico (ácido fraco H2CO3); o íon cálcio simplesmente fica na solução do solo ou ocupa sítios de troca ou de adsorção (reação (1)).

Com relação ao gesso, com a hidrólise do sulfato de cálcio, os íons resultantes são o cálcio (Ca2+) e o sulfato (SO42-), que não são neutralizantes da acidez do solo. Nos experimentos com gesso em solos do Paraná, não foram observadas alterações significativas no pH do solo (Pavan & Volkweiss, 1986 e Pavan et al., 1984). Entretanto, em solos da região de cerrados foi constatado aumento no pH do solo pela aplicação de gesso (Ritchey et al., 1980; Souza & Ritchey, 1986 e Oliveira et al., 1986) (reação (2)).

Estes resultados contrastantes parecem estar relacionados com as características químicas e mineralógicas dos solos. No caso de solos do Paraná com acidez potencial alta, os íons hidroxila (OH-) provenientes da troca pelo sulfato, são neutralizados pelos hidrogênios (H+) da hidrólise do alumínio, ocorrendo portanto um equilíbrio de cargas sem mudanças significativas no pH. Nos solos da região de cerrados de baixa acidez potencial e com menores teores de alumínio trocável (Al3+), o aumento de pH tem sido atribuído ao domínio da reação de troca do sulfato (SO42-) pela hidroxila (OH-) das superfícies dos óxidos de ferro e alumínio. O íon sulfato serve, também, como meio eficaz para promover o movimento de íons do solo devido às reações de associações com metais, principalmente Ca2+, Mg2+, K+ e Al3+, formando complexos solúveis neutros ou com menor valência (CaSO40, MgSO40, K2SO40 e A1SO40), que lixiviam facilmente. Os resultados publicados demonstraram que devido, pelo menos em parte, à formação dessas associações iônicas, a aplicação superficial do gesso promove aumento no teor de cátions no subsolo (reações 3, 4, 5 e 6).

O aumento no teor de cálcio em profundidade é, sem dúvida, uma das maiores vantagens do gesso em solos ácidos, pois permite maior desenvolvimento radicular em profundidade e, consequentemente, maior absorção de água e nutrientes (Pavan & Volkweiss, 1986). Contudo, se por um lado a formação de complexos solúveis com sulfato facilita a lixiviação do cálcio e outros cátions, por outro a adsorção de sulfato aos óxidos e às argilas retarda esta lixiviação, pois, em seu movimento, os cátions têm que ser acompanhados por ânions, tanto na forma de complexos, como de íons livres (condições de eletroneutralidade da solução).

(na solução do solo )

Como os ânions cloreto (Cl -) e nitrato (NO3-) praticamente não reagem com a fase sólida da maioria dos solos, a aplicação de cloreto de cálcio (CaCl2) e de nitrato de cálcio Ca(NO2)2 no solo proporciona lixiviação mais rápida de cálcio do que a aplicação de gesso (Ritchey et al., 1980); entretanto, são de custo bem maior do que o do gesso.

Além da ação na movimentação de cátions no solo (reações 3, 4, 5), o gesso apresenta efeito adicional na redução do nível de toxicidade de alumínio pela indução da polimerização de alumínio, pelas reações de troca entre sulfato (SO42-) e os grupos hidroxilas (OH-) da superfície dos óxidos, ou pela formação de associação iônica (AlSO4+). Como conseqüência, isto diminuiu a atividade do íon (Al3+) na solução do solo e do alumínio trocável. A diminuição da atividade do íon (Al3+) na solução do solo devido à formação de (AlSO4+) é importante porque (Al3+) é a espécie mais tóxica e o composto (AlSO4+) é o menos absorvido pelas raízes (Pavan & Bingham, 1982) (reação 7). 

Portanto, isto elimina em parte o problema de alumínio no solo, porém para que isto ocorra, há a necessidade de quantidades elevadas de sulfato de cálcio para que a complexação do alumínio seja efetiva, mas, mesmo assim, não ocorre a solução do problema maior, que é a acidez do solo.

Outro aspecto a ser considerado, e de importância na comparação do comportamento químico no solo entre o sulfato de cálcio (gesso) e o carbonato de cálcio e magnésio (calcário), é a solubilidade em água. O carbonato de cálcio (calcita natural, CaCO3) tem uma solubilidade de 0,0014g/l00ml em água e o carbonato de magnésio (magnesita natural, MgCO3) de 0,0106 g/l00ml em água (Weast, 1981), portanto, 7,6 vezes maior que a solubilidade do carbonato de cálcio, mas de qualquer forma ambos os compostos são muito pouco solúveis. Por outro lado, o sulfato de cálcio dihidratado (gesso natural, CaSO4.2H2O) tem solubilidade de 0,241 g/l00ml em água (Weast, 1981), portanto 22,7 vezes maior do que o carbonato de magnésio e 172 vezes maior do que o carbonato de cálcio. Estas inferências são importantes, porque estes valores de solubilidade têm influência marcante na magnitude e na velocidade de reação de hidrólise dos três compostos, que será menor quanto mais concentrada, em cálcio, for a solução do solo.

3. RECOMENDAÇÕES

Após estas considerações, deve ficar claro que o gesso não pode ser considerado como um corretivo, mas um condicionador, devendo ser aplicado ao solo para resolver problemas específicos nas seguintes situações:

  1. para culturas perenes, café, citrus, maçã, etc., com finalidade de aumentar o cálcio e o magnésio no subsolo e permitir maior aprofundamento do sistema radicular. No caso da maçã, é importante também como suprimento de cálcio até a frutificação, para retardar o início do apodrecimento dos frutos depois de colhidos;
  1. em solos ácidos com baixos teores de cálcio e alumínio trocáveis na camada arável e alto teor de alumínio no horizonte subsuperficial. Esta é a situação da grande maioria dos solos sob vegetação de cerrado no Brasil Central. Neste caso, o gesso é aplicado para suprir as plantas com cálcio e enxofre na camada arável, aumentar o teor de cálcio na solução do solo do horizonte subsuperficial e complexar parte do alumínio trocável em profundidade;
  2. em solos com pH 6,5 a 7,0, nos quais a relação cálcio: magnésio seja 1:1 e, portanto, haja necessidade de aumentar o teor de cálcio da solução do solo e dos sítios de troca sem alterar o pH. A relação Ca:Mg no solo, para melhor equilíbrio entre estes dois nutrientes, está na faixa de 3:1 a 6:1;
  1. para a correção de acidez do solo na camada arável, usar calcário dolomítico incorporado profundamente, misturando-o ao solo da maneira mais homogênea possível, porque, devido a baixa solubilidade do calcário, deve ser favorecida a reação de partícula a partícula;
  2. embora não haja dados experimentais conclusivos para o cálculo da quantidade de gesso a aplicar como condicionador do solo, utilizar 1/3 a 1/4 da quantidade recomendada de calcário. Neste caso, devem ser observadas as seguintes precauções para escolher a maneira que irá cumprir as finalidades a que se propõe a aplicação do gesso:

aplicação de calcário e gesso ao mesmo tempo

A aplicação de calcário (CaCO3 . MgCO3) e gesso (CaSO4) juntos ao solo diminui marcantemente o efeito do calcário como corretivo da acidez, porque o gesso satura a solução do solo com cálcio, diminuindo a velocidade da reação de hidrólise do carbonato de cálcio.

aplicação do calcário antes do gesso

A aplicação do calcário deve ser 60 a 90 dias antes da aplicação do gesso, desde que haja condições ótimas de umidade para a reação entre as partículas do calcário e do solo. Neste caso, o cálcio (Ca2+) do carbonato de cálcio e magnésio (CaCO3 . MgCO3), calcário dolomítico, irá ocupar a maior parte das cargas negativas dos colóides (minerais) do solo e o pH do solo aumentará com correção da acidez pelo íon carbonato (CO32+). Assim, após essas reações, na aplicação do gesso, tanto o íon cálcio (Ca2+) como o íon sulfato (SO42-) ficarão em maior quantidade na solução do solo. Como o pH foi aumentado pela correção de acidez, haverá menor adsorção de sulfato, que irá descer no perfil com as águas de percolação, carregando junto, principalmente, cálcio e magnésio que se encontram dissolvidos na solução do solo na forma iônica. Eventualmente, poderá percolar algum potássio também. Grande parte do potássio, que se encontrava na solução do solo na forma iônica (K +), com a eliminação da acidez e a conseqüente liberação das cargas pH - dependentes (cargas da matéria orgânica e de óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio), passa a ocupar estas posições dos íons hidrogênio (H+) e não percola em grande quantidade como o magnésio e o cálcio.

aplicação de gesso antes do calcário

Neste caso, o gesso irá dissociar-se, com o cálcio ocupando alguns sítios de troca das cargas permanentes dos colóides minerais e ficando também em grande parte na solução do solo como íon cálcio (Ca 2+), enquanto que o íon sulfato (SO42-), como não houve correção da acidez e elevação do pH, ficará em grande parte adsorvido. Portanto, com a aplicação do gesso antes do calcário, a percolação do sulfato carregando junto, principalmente, cálcio e magnésio, é bem menor do que com a aplicação do calcário antes do gesso;

  1. o gesso também pode ser usado como condicionador do solo, quando é necessário elevar o cálcio na solução do solo da camada arável, sem elevar o pH.

Este é o caso, principalmente, da cultura de batata que é altamente exigente em cálcio, mas deve ser cultivada em solos ácidos para evitar o aparecimento de moléstias, tais como a murcha bacteriana (murchadeira), cuja incidência aumenta em pH próximo a neutralidade e alcalino. Segundo a literatura, o gesso é utilizado com sucesso na cultura da batata na Europa.

Agradecimentos

Os autores deste trabalho agradecem ao Dr. Léo Pires Ferreira e ao Dr. Onval Gastão Menosso pela leitura, correções e sugestões que tornaram o texto mais claro e agradável.

  1. publicado em informações agronômicas - POTAFOS - Piracicaba, no 40, dez - 1987.
  2. Eng. Agr. MSc., PhD., pesquisador da Embrapa - Centro de Pesquisa de soja- Londrina (PR)
  3. Eng. Agr. MSc., PhD., pesquisador do IAPAR - Instituto Agr. do Paraná - Londrina (PR)
  4. Eng. Agr. MSc. , pesquisador da Embrapa - Centro de Pesquisa de soja.

4. LITERATURA CITADA

  1. JONES, U. S. Gypsum. In: Fertilizers and soil fertility. Reston, Reston Publishing, 1979 cap. 3. p. 92-7.
  2. OLIVEIRA, I.P. de; KLUTHCOUSKI, J. & REYNIER, F.N. Efeito do fosfogesso na produção de feijão e arroz e no comportamento de alguns nutrientes. In: SEMINÁRIO SOBRE O USO DE FOSFOGESSO NA AGRICULTURA, 1, Brasília, DF, 1985. Anais... Brasília, EMBRAPA-DDT, 1986. p. 45-59.
  3. PAOLINELLI, M.T.; OLIVEIRA, P.M. de; SÁ SANTOS, P.R.R.; LEANDRO, V. de P. & MORAES, W.V. de. Aplicação direta do fosfogesso. In: SEMINÁRIO SOBRE O USO DO FOSFOGESSO NA AGRICULTURA, 1, Brasília, DF, 1985. Anais...Brasília, EMBRAPA-DDT, 1986. p. 197-207.
  4. PAVAN, M.A. & BINGHAM, F.T. Toxicity of aluminum to coffee seedlings grown in nutrient solution. Soil Sci. Soc. Am. J., 46(5): 993-7, 1982.
  5. PAVAN, M.A.; BINGHAM, F.T. & PRATT, P.F. Redistribution of exchangeable calcium, magnesium and aluminum following lime or gypsum applications to a Brazilian Oxisol. Soil Sci. Soc. Ain. J.; 48(1): 33-8, 1984.
  6. PAVAN, M.A. & VOLKWEISS, S.J. Efeitos do gesso nas relações solo-planta: princípios. In: SEMINÁRIO SOBRE O USO DO FOSFOGESSO NA AGRICULTURA, 1, Brasília, DF, 1985. Anais... Brasília, EMBRAPA-DDT, 1986. p. 107-18.
  7. R1TCHEY, K.D.; SOUZA, D.M.G.; LOBATO, E. & CORREA, O. Calcium leaching to increase rooting depth in a Brasilian savannah oxisol. Agron. J., 72(1): 40-4, 1980.
  8. SOUZA, D.M.G. de & R1TCHEY, K.D. Uso de gesso no solo de cerrado. Ia: SEMINÁRIO SOBRE O USO DE FOSFOGEESO NA AGRICULTURA, 1, Brasília, DF, 1985. Anais... Brasília, EMBRAPA-DDT, 1986. p. 119-144.
  9. WEAST, R.C. ed. CRC Handbook of chemistry and physics. Boca Raton, CRC, 1981. p. B87, B89, B 115.